Vivemos um momento ímpar em nossa história. Um momento de enfrentamento de uma das maiores crises da atual geração, envolvendo uma doença que trará muitos óbitos e também levará muitas atividades comerciais e de prestação de serviços à ruína.
Nesta situação gravíssima, em um primeiro momento, o Poder Público entendeu por adotar medidas para preservar vidas. Neste sentido, a Câmara dos Deputados promulgou o Decreto Legislativo n. 06/2020, decretando o estado de calamidade pública, na forma requerida pelo Presidente da República.
Tal Decreto reconheceu, exclusivamente para os fins de atender o disposto no artigo 65 da Lei Complementar n. 101/2000, a possibilidade de se dispensar o atingimento dos resultados fiscais determinados na Lei n. 13.898/2019.
Este Decreto Legislativo, ainda em tempos de pandemia derivada do COVID-19, se relacionou diretamente com a Lei n. 13.979, de 06/02/2020, que estabeleceu as medidas para o enfrentamento do coronavírus em território nacional. Um esforço para conter a pandemia do COVID-19.
Esta lei estabeleceu a possibilidade de as autoridades, no âmbito de suas competências, adotarem medidas de isolamento, quarentena, determinação compulsória para realização de exames, testes, tratamento médicos etc., entre outras medidas, aos cidadãos que vivem nas unidades e municípios da Federação (considerando a possibilidade de competência concorrente para legislar sobre tal questão).
Todas estas medidas a serem (ou que foram) adotadas, devem se basear em evidências científicas e em análise estratégicas da área de saúde e também devem vigorar apenas enquanto valer o estado de calamidade pública decretado em razão da pandemia que assola nosso País, tudo isto sem desrespeitar a dignidade da pessoa humana e as liberdades fundamentais.
O texto desta lei, alterado pela MP n. 926/2020, estabeleceu que os serviços públicos e as atividades essenciais devem ter assegurado seu funcionamento. É a partir deste entendimento que surgiram nos estados e municípios, decretos que determinam o fechamento de estabelecimentos comerciais ou de prestadores de serviços considerados não essenciais.
Ainda na esteira legal, regulamentando a Lei n. 13.979/2020, editou-se o Decreto n. 10.282, de 20 de março de 2020, que definiu os serviços públicos e atividades consideradas essenciais. Relacionou-se 40 (quarenta) atividades, das quais se destacam atividades ligadas a saúde, assistência social, segurança pública, defesa nacional, telecomunicações e internet, call center, água e esgoto, coleta de lixo, iluminação pública etc. O texto do decreto permite que estas atividades também sejam limitadas, mas isto depende de um ato específico.
Nesta correria para salvar vidas, a totalidade dos governos estaduais editou seus próprios decretos, estabelecendo medidas de isolamento ou de quarentena, sendo que algumas ultrapassaram, inclusive suas competências legais e ofendem a dignidade da pessoa humana (para se ter ideia, há decretos que proibiram idosos de circular em vias públicas).
A título de exemplo, em São Paulo, o governador Dória, editou o Decreto n. 64.881, de 22 de março de 2020, estabelecendo uma quarentena (como previsto na Lei n. 13.979/2020) e determinando a suspensão do atendimento presencial ao público em estabelecimentos comerciais e prestadores de serviço, além de proibir o consumo de gêneros alimentícios em estabelecimentos que comercializam refeições ou similares.
Em suma, fechou o comércio e a prestação de serviços! Referida norma estabeleceu uma exceção dirigida às áreas de saúde, abastecimento de combustíveis, farmácias, lavanderias, serviços de limpeza, hotéis, drive thru e delivery de alimentos, padarias, postos de combustíveis, oficinas, entre outras atividades.
Por sua vez, os prefeitos também correram e fizeram seus decretos.
Na cidade de São Paulo, epicentro da pandemia em nosso Estado, o Prefeito Bruno Covas também decretou emergência decorrente do COVID-19, regulando o funcionamento dos serviços públicos. Em 23/03/2020, publicou o Decreto n. 59.298, suspendendo o atendimento presencial ao público em estabelecimentos comerciais de bens e mercadorias, atacadistas, varejistas e ambulantes e prestadores de serviços.
Em anexo a este decreto, publicou-se uma relação de atividades que podem permanecer funcionando, desde que adotadas medidas de profilaxia e que sejam capazes de minimizar a transmissão do coronavírus. Relacionou-se, assim, 55 (cinquenta e cinco) atividades como sendo essenciais[1].
Assim, na cidade de São Paulo, se sua atividade não se enquadra nesta relação de exceções, você está com seu alvará de funcionamento momentaneamente suspenso (isto é: você não pode funcionar).
Estas são as considerações legais.
Entretanto, o comércio em geral e os prestadores de serviço, fechados pelo Poder Público em razão da quarentena e isolamento, ainda continuam obrigados a recolher impostos, pagar salários de funcionários (se não suspenderam os contratos de trabalho), pagar fornecedores, aluguéis etc., ao passo que não há entrada de receita, eis que os clientes estão impossibilitados de serem atendidos.
Além disso, é fato de que as autoridades públicas estão prevendo que esta quarentena deve se prolongar até agosto deste ano. Também é fato notório que muitas comunidades estão pressionando os governos municipais para a retomada do comércio. Muitos prefeitos já editaram decretos flexibilizando a quarentena, sendo que alguns já foram enfrentados pelo Ministério Público e cancelados. Outros, enfrentam a ira daqueles que se opõem a flexibilização das proibições.
Também sabemos que o Supremo Tribunal Federal irá apreciar se os estados e municípios possuem competência para determinar isolamento ou quarentena (ADI 6341 e 6343). Até mesmo os atos dos prefeitos estão sendo questionados junto ao STF (ADPF 666). Muitas decisões devem ocorrer e algumas situações podem ser modificadas ou relativizadas pela Corte Superior.
Assim, vem a pergunta, o que fazer?
A resposta é simples: Aguardar ou questionar.
Estes comerciantes e prestadores de serviço afetados pelos decretos restritivos podem aguardar o término dos períodos de quarentena e isolamento e, futuramente, ver como seus negócios serão afetados.
Ou então, dentro do seu direito de ação, se insurgirem judicialmente contra tais atos administrativos, que atacam a livre iniciativa econômica garantida constitucionalmente e vem afetando seus negócios.
Sempre existirá o risco de tais medidas judiciais não terem êxito, mas já existem decisões favoráveis, como, por exemplo, diversas liminares que permitiram o retorno do funcionamento de diversos estabelecimentos ao redor do país.
De uma maneira ou de outra, sempre recomenda-se uma devida análise da situação, para avaliação dos melhores caminhos a serem adotados, seja para mitigar os prejuízos do período de fechamento, seja para tentar forçar a reabertura do negócio.
[1] ANEXO ÚNICO INTEGRANTE DO DECRETO Nº 59.312, DE 27 DE MARÇO DE 2020
1) Lavanderias; 2) Serviços de limpeza; 3) Hotéis e similares; 4) Serviços de construção civil; 5) Comercialização de materiais de construção; 6) Serviços veterinários e de venda de produtos farmacêuticos e alimentos para animais, não incluídos nesta exceção os serviços de banho, tosa e estética para pets; 7) Cuidados com animais em cativeiro; 8) Serviços de entrega (“delivery”) e “drive thru” de bares, restaurantes, lanchonetes, padarias e similares; 9) Oficinas de veículos automotores, borracharias, bancas de jornal e serviços para manutenção de bicicletas; 10) Assistência à saúde, incluídos os serviços médicos, odontológicos, fisioterápicos, laboratoriais, farmacêuticos e hospitalares; 11) Assistência social e atendimento à população em estado de vulnerabilidade; 12) Atividades de segurança pública e privada, incluídas a vigilância, a guarda e a custódia de presos; 13) Atividades de defesa nacional e de defesa civil; 14) Transporte intermunicipal, interestadual e internacional de passageiros e o transporte de passageiros por táxi ou aplicativo; 15) Telecomunicações e internet; 16) Serviço de call center; 17) Captação, tratamento e distribuição de água; 18) Captação e tratamento de esgoto e lixo; 19) Geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, incluído o fornecimento de suprimentos para o funcionamento e a manutenção das centrais geradoras e dos sistemas de transmissão e distribuição de energia, além de produção, transporte, e distribuição e comercialização de gás natural; 20) Iluminação pública; 21) Produção, armazenagem, distribuição, comercialização e entrega, realizadas presencialmente, exceto para consumo local, ou por meio do comércio eletrônico, de produtos de saúde, farmacêuticos, óticos, higiene, alimentos e bebidas, a exemplo de farmácias, hipermercados, supermercados, mercados, feiras livres, açougues, peixarias, hortifrutigranjeiros, quitandas, centros de abastecimento de alimentos, lojas conveniência, lojas de venda de água mineral, padarias e lojas especializadas na venda de artigos médicos, odontológicos, ortopédicos e hospitalares; 22) Estabelecimentos de beneficiamento e processamento de produtos agropecuários; 23) Comercialização de insumos agropecuários, medicamentos de uso veterinário, vacinas, material genético, suplementos, defensivos agrícolas, fertilizantes, sementes e mudas e produtos agropecuários; 24) Comercialização de embalagens; 25) Serviços funerários; 26) Guarda, uso e controle de substâncias radioativas, de equipamentos e de materiais nucleares; 27) Vigilância e certificações sanitárias e fitossanitárias; 28) Serviços de zeladoria e limpeza pública; 29) Prevenção, controle e erradicação de pragas dos vegetais e de doença dos animais; 30) Inspeção de alimentos, produtos e derivados de origem animal e vegetal; 31) Vigilância agropecuária; 32) Atividades de representação judicial e extrajudicial, assessoria e consultoria jurídicas exercidas pelas advocacias públicas, relacionadas à prestação regular e tempestiva dos serviços públicos; 33) Controle de tráfego aéreo, aquático ou terrestre; 34) Serviços de pagamento, de crédito e de saque e aporte prestados pelas instituições supervisionadas pelo Banco Central do Brasil; 35) Serviços prestados por lotéricas; 36) Serviços presenciais prestados por instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, na forma por este definida; 37) Serviços de estacionamento de veículos localizados em um raio de 300 metros no entorno de unidades de saúde; 38) Serviços postais; 39) Transporte e entrega de cargas em geral; 40) Serviço relacionados à tecnologia da informação e de processamento de dados (data center) para suporte de outras atividades previstas neste anexo; 41) Administração tributária e aduaneira; 42) Fiscalização ambiental; 43) Fiscalização do trabalho; 44) Produção de petróleo e produção, distribuição e comercialização de combustíveis, gás liquefeito de petróleo e demais derivados de petróleo; 45) Produção e distribuição de numerário à população e manutenção da infraestrutura tecnológica do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro; 46) Monitoramento de construções e barragens que possam acarretar risco à segurança; 47) Levantamento e análise de dados geológicos com vistas à garantia da segurança coletiva, notadamente por meio de alerta de riscos naturais e de cheias e inundações; 48) Mercado de capitais e seguros; 49) Atividade de assessoramento em resposta às demandas que continuem em andamento e às urgentes; 50) Atividades médico-periciais relacionadas com a seguridade social, compreendidas no art. 194 da Constituição; 51) Atividades médico-periciais relacionadas com a caracterização do impedimento físico, mental, intelectual ou sensorial da pessoa com deficiência, por meio da integração de equipes multiprofissionais e interdisciplinares, para fins de reconhecimento de direitos previstos em lei, em especial na Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência; 52) Outras prestações médico-periciais da carreira de Perito Médico Federal indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade; 53) Atividades de pesquisa, científicas, laboratoriais ou similares relacionadas com a pandemia de que trata este Decreto; 54) Atividades acessórias de suporte e a disponibilização dos insumos necessários a cadeia produtiva, relativas ao exercício e ao funcionamento dos serviços públicos e das atividades essenciais; 55) Atividades religiosas de qualquer natureza, obedecidas as determinações do Ministério da Saúde; e 56) Outras atividades que vierem a ser definidas em ato conjunto expedido pelas Secretarias Municipais de Governo, da Saúde e de Desenvolvimento Econômico e Trabalho. (Redação dada pelo Decreto nº 59.312/2020)